terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A Quaresma e a Umbanda

                   



    Sempre ouvimos falar sobre a Quaresma, sobre os fechamentos dos
Terreiros nessa época, o não trabalhar com os Exús, o respeitar os
quarenta dias que vão do findar do carnaval até a semana Santa. Enfim,
muitas coisas são ditas, muitas coisas são demonstradas, mas o que tem
de verdade nisso tudo?
 
    Qual o caminho que nós umbandistas deveremos tomar com tantas
contradições?

    Como devemos proceder?

    Bem abaixo vou tentar descrever uma pequena lógica sobre esse
assunto, e após lerem, refletirem, tentem usar o livre arbítrio para
dai decidirem o que fazer no período da Quaresma.

    A Quaresma, como já é dito no nome, é um período de quarenta dias
que tem início após o findar da festa da carne, ou carnaval (quarta
feira de cinzas), e termina na Semana Santa (quinta feira santa).
Lembrando que a Quaresma é uma tradição religiosa ligada diretamente
aos católicos, devemos certamente respeitá-la, porém não é uma
tradição umbandista.

    Sendo assim devemos entender que quando se é falado que esse
período é perigoso, que uma grande quantidade de obsessores ficam
soltos, e que provavelmente a enorme incidência de ataques maléficos
podem ocorrer, é apenas lendas.

    Frisando que não devemos confundir o tempo da Quaresma com o tempo da festa da carne, ou seja o carnaval, pois nesse período da festa profana, realmente se espalham intermináveis números de obsessores e
vampirizadores que certamente vão induzir aos menos conectados a Deus
e a fé a serem levados a atos pecaminosos que levarão sim a atrapalhar
a evolução espiritual. A Quaresma começa exatamente após o findar da
festa da carne, como já foi dito. Portanto é sempre recomendado aos
filhos de terreiro se afastarem do carnaval, porém trabalharem com
muito mais força durante a Quaresma levando a caridade a quem
necessita.

    Sabemos que diversos terreiros de Umbanda fecham suas portas na
Quaresma, não levando a luz espiritual e a caridade, isso vem desde a
antiguidade, e mesmo hoje vemos isso acontecer. Porém vamos refletir,
se terreiros são fechados, se trabalhos contra o mal, contra
obsessores, contra espíritos sem luz, como Kiumbas, Eguns, Zombeteiros,
deixam de ser feitos nesse período, se são esses trabalhos que
justamente combatem esses espíritos mal intencionados, logicamente
isso acarretaria muito mais facilidades de retirar do caminho da
evolução as pessoas que se envolvessem nas maledicências, no orgulho,
nos vícios, na promiscuidade, pelos espíritos sem luz, pois não
haveria um combate a altura.

    Com essa reflexão devemos fazer a pergunta que tanto incomoda a
todos que frequentamos a terreiros:

    Por que os terreiros tem essa tradição (já ultrapassada) de fechar
suas portas na Quaresma católica?

    É dito pelos mais antigos umbandistas que eles entendem dessa
forma:

"Se entende que isso acontece pelo fato de muitos Zeladores da Umbanda
no passado foram da religião católica, se converteram a Umbanda, porém
se esqueceram de deixar na antiga religião os preceitos próprios da
mesma. E em alguns casos, talvez a maioria, só fazem porque outros
fazem, em uma repetição sem um entender verdadeiro, e com muito pouca
vontade de buscar um conhecimento real."


    Sabemos que a Umbanda é cristã, assim como muitas religiões o são.
Mas ser cristão não é sinônimo de ser católico, o catolicismo é apenas
mais uma religião cristã dentre tantas outras.

    Dessa forma, se os católicos preferem usar esse período para
reclusão, penitências e jejum de carne vermelha, isso não significa
que todos os cristãos devem fazer o mesmo. Nós umbandistas,
conscientes de que nossos terreiros são verdadeiros hospitais da
espiritualidade, entendemos que nesses 40 dias as pessoas não deixam
de ter sofrimento, demandas, doenças e portanto precisam do auxílio
dos Guias mesmo na Quaresma católica.

    Jesus não determinou a Quaresma, não disse que não deveria fazer a
caridade nesse período, portanto, vamos honrar Jesus repetindo o que
ele realmente pregou, que é ajudar as pessoas, fazer a caridade,
intermediar as forças de Deus e usar o dom da mediunidade para curar
todas as angústias, seja na Quaresma ou não.

    Além da observação acima sobre os Zeladores serem católicos antes
de se converterem a Umbanda, podemos frisar mais uma colocação na qual
demonstra a ligação entre a Umbanda e a Quaresma na antiguidade,
ligação essa que não faz com que a Umbanda deva se fechar por quarenta
dias sem espalhar a luz e a caridade.

"No tempo antigo, tempo esse que não se podia cultuar os Orixás, e
esses eram homenageados e cultuados sendo sincretizados com os santos
católicos, fazendo assim com que algumas tradições (tradições essas
sem fundamentos) fossem implantadas em alguns terreiros de Umbanda,
que se espalharam através de Zeladores sem verdadeiras informações, de
pai para filho, fazendo com que a lenda de ser uma obrigação fechar
as casas de Umbanda no período da Quaresma."

    Como o período da Quaresma corresponde a uma época de reclusão e
reflexão dentro da igreja católica, muitos terreiros de umbanda e
candomblé ficavam em uma posição delicada junto a comunidade católica
e fechavam as portas para não ter problemas com as autoridades locais
e com as pessoas em geral, quando poderiam ser acusados
desrespeitosos com a religião católica. As pessoas consideravam que as
casas de santo não deveriam bater tambores ou praticar qualquer ritual
na Quaresma, a exemplo da igreja católica que deixa suas imagens
cobertas por mantos de cor roxa em sinal de respeito, onde os cristãos
se recolhem em oração e penitência para preparar o espírito para a
acolhida do Cristo Vivo. Mas devemos lembrar que estes são rituais
católicos e não pertencem a  religião umbandista.  A Quaresma para
nós vai marcar apenas o final do ano litúrgico na umbanda, com a
chegada da semana santa e da páscoa.

    As  casas de santo  não precisam parar suas atividades durante a
Quaresma  e podem funcionar normalmente, pois não estão ligadas aos
dogmas da igreja católica que determinem que não possam fazer
atendimento espiritual nessa ocasião. Certos  terreiros de umbanda
 tem preferência por trabalhar apenas com  Exús e Pombo Giras  na
Quaresma; outras  casas de santo  preferem trabalhar na linha de
Pretos Velhos e Caboclos. Vai depender da linha de trabalho
espiritual seguida em cada  casa de santo.

    Muitos umbandistas até hoje acreditam que as Entidades de Luz
afastam-se da terra nesse período, impossibilitando assim os terreiros
de Umbanda praticarem a caridade. Vamos refletir muito sobre isso,
vamos usar o raciocínio lógico e a razão. Se a Quaresma é o período em
que o ser humano devem se aproximar de Jesus para estarem livres de
seus pecados, por que então estariam distantes de si seus mensageiros
de luz, suas Entidades maravilhosas, seus Mentores encaminhadores. E
por que fecharmos as portas de nossas casas, de nossas roças, de nossos
terreiros, se é exatamente nesse período que mais precisamos nos
fortalecer em nossa fé, pois acabamos de sair de uma época destinada
ao aumento de ataque de Kiumbas, Eguns e Zombeteiros, que é
justamente o período da festa de carnaval, e certamente em nosso
terreiro que recuperamos todas as energias tomadas por esses
obsessores vampirizadores da festa da carne.

    Umbandistas, devemos sim mantermos a fé, a moral, nos redimir
todos os dias, fechar as portas a esses obsessores, e isso não é feito
apenas nos quarenta dias da Quaresma, mas por todo o ano, a década, a
vida. Devemos estar em comunhão com nossa fé e por isso mesmo precisamos estar em comunhão com nosso terreiro, local esse que quando chegamos nos sentimos bem, fortes, protegidos. Imaginemos encontrarmos as portas fechadas quando
mais precisamos, que devemos fazer, buscar outra casa, outra religião,
outra fé?


    A umbanda que praticamos não acredita ser necessário fechar as
suas portas, pelo contrário "BATEI E ELA SE ABRIRÁ" assim disse o mestre
Jesus. A muitas moradas na casa do pai e na nossa morada estaremos
sempre de portas abertas para aqueles que desejam entrar para se
melhorar e se transformar no caminho do bem.


    A Quaresma é um período de limpeza profunda, e para isso, nós
umbandistas, precisamos de nossas casas abertas.

    Salve a Umbanda!

Carlos de Ogum

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Entendendo sobre os Obsessores na Festa da Carne (carnaval)

 


    Carnaval: É dito que é um dos maiores espetáculos da terra. Muita
festa, alegria, música, calor humano.

    Mas se é assim tão agradável, por que somos orientados a não
participar dessa grandiosa festa popular?

    Dentro da espiritualidade o carnaval é visto como uma das grandes
chances na qual obsessores de todos os tipos estão dispostos a tomar a
consciência de encarnados para que, através deles, possam se energizar
a fim de espalhar o retrocesso da evolução dentro da humanidade.

    A festa da carne, por mais bela que possa parecer, dissemina um
excesso de promiscuidade, de luxuria, de variados tipos de vícios nos
seres humanos, dando ai então a entrada de obsessores, tipo Kiumbas,
Eguns e Zombeteiros, que ali buscam as tais energias de baixo grau
espiritual, lhes dando força para que cada vez mais dominem os
encarnados não voltados a verdadeira espiritualidade e as orações.

    Podemos ver abaixo algumas colocações em forma de relatos do
Doutor Bezerra de Menezes, que foram feitas quando ele e um grupo de
socorristas de encarnados e desencarnados, trabalharam em prol da
caridade no carnaval do ano de 1982, em plena cidade do Rio de
Janeiro.

    Falando ele sobre a concentração mental que era colocada nos dias
da festa da carne:

    "A grande concentração mental de milhões de pessoas, na fúria
carnavalesca, irradiações dos que participavam ativamente,
enlouquecidos, e dos que, por qualquer razão, se sentiam impedidos,
afetava para pior a imensa área de trevas, ao tempo em que esta
influenciava os seus mantenedores.
Nesse período, instalam-se lamentáveis obsessões coletivas que
entorpecem multidões, dizimam existências, alucinam valiosos indivíduos
que se vinculam a formosos projetos dignificadores."
(Bezerra de Menezes)

    Da mesma forma dita acima, nossas Entidades da Umbanda nos alertam
extremamente sobre os festejos da carne. Frisam muito sobre os
obsessores e recomendam firmemente que seria um tanto melhor não
fazermos parte dela. Porém, sempre nos dando o caminho do livre
arbítrio, e claro que nos mostrando os melhores rumos a tomar.

    Colocando uma pequena comparação a alguns dizeres do nosso irmão
Bezerra de Menezes com algumas recomendações de nossas Entidades de
Luz da Umbanda, poderemos notar que o carnaval é de extremo prejuízo
para nossa evolução espiritual, para nosso desenvolvimento mediúnico,
e bastante prejudicial a nosso perispírito, como poderemos verificar
abaixo:



    "O caminho da festa da carne pode levar um ser umbandista, assim
como outras pessoas de qualquer dogma, por mais dedicado que seja, a
se entregar aos vícios que certamente nos deixarão entregues a
obsessores. Esses obsessores podem levar os encarnados a fazer coisas
que em sua sã consciência jamais fariam. Dentre outras coisas podem
induzir a falta de respeito com o próprio corpo, induzir a ser
utilizado substâncias nocivas a matéria e ao perispírito. Sempre
recomendado a se manter em oração nesses dias de
perversão espiritual."
(Preto Velho Pai Antero da Encruzilhada)

    "A percepção sobre os filhos que se entregam a festa da carne é de
uma aglomeração de Eguns, Kiumbas e Zombeteiros, que se introduzem na
Coroa desses filhos fazendo com que se tornem apenas um ser sem
vontade própria, se deixando induzir pela promiscuidade numa
intensidade tão grandiosa, que aquele que tem ao menos um degrau de
desenvolvimento mediúnico e espiritual, retorne ao modo de menos que
iniciante. Espíritos vampirizadores tomam o corpo desse filho se
utilizando de seus vícios para se energizar e assim se tornarem mais
fortes para combater as Entidades de Luz, que se proporem a proteger
tal filho. Após absorverem toda essa energia, tentam escapar dos
protetores, e partem para atacar novos encarnados desavisados que se
entregam de corpo e alma a festa da carne."
(Preto Velho Rei Congo das Almas)

    "No momento da entrega de um filho a festa da carne, é percebido
Kiumbas, Eguns e Zombeteiros obsediando esse filho, sugando seu
sangue na forma orgânica, retirando de sua mente a possibilidade de
refletir, de seus olhos a benção de ver, de seus ouvidos a audição
real. Faz com que esses filhos se entreguem a promiscuidade em
qualquer lugar ou a qualquer hora. Tem o prazer de sentir o apodrecer
do corpo físico entregue a falsos prazeres induzidos pelo poder da
obsessão. Esses Kiumbas, Eguns e Zombeteiros se divertem com a nudez
dos filhos entregues a festa da carne, e fazem disso um ponto para
abraçarem todos aqueles que nessa festa se fazem obsediados, apenas
para ver o sofrimento de prováveis futuros espíritos perdidos. Esses
obsessores reinam dentro da mente, do corpo e do espírito desses
filhos tomados pelas sujeiras carnais e espirituais, fazendo que se
transformem em farrapos humanos, ou simplesmente um espírito podre
dentro do reino da escuridão."
(Preto Velho Vovô Benedito da Calunga)

    "Na festa da carne o trabalho espiritual é muito mais intenso.
Nossa legião trabalha com grande intensidade para buscar junto ao Pai
Maior ajuda para todos filhos desavisados que são tomados pelos
espíritos do mal, envolvidos na escuridão plena. Infelizmente esses
filhos que buscam a diversão na festa da carne, não tem a menor noção
da grande quantidade de espíritos obsessores que são espalhados entre
eles antes, durante e depois da entrega dos encarnados nesse poço de
promiscuidade, vícios, ódio, rancor, disfarçados de festa. Sou
guardião de muitos filhos nessa festa, porém, por mais que seja
multiplicado os atendimentos, muitos deles são tomados pela obsessão,
e isso pelo seu próprio livre arbítrio, principalmente na sujeira da
promiscuidade. O trabalho é árduo, mas a obsessão é extremosa. Sempre
melhor ao filho que deseja receber a paz, o amor, a luz e a caridade,
se manter na fé a Oxalá nesses tempos."
(Senhor Tranca Ruas das Almas)

    Como podemos notar, a festa da carne ou carnaval, pode nos parecer
lindo, porém a obsessão é de tal grandeza que é de assustar,
principalmente na tomada de espíritos sem luz que se aglomeram sobre
os encarnados como vampiros sedentos de sangue.

    Continuando com os relatos, voltaremos a nosso irmão, Doutor
Bezerra de Menezes, e verificaremos como acontece essa aglomeração do
mal.

    "Acurando a vista, podia perceber que, não obstante a iluminação
forte, pairava uma nuvem espessa onde se agitava outra multidão,
porém, de desencarnados, mesclando-se com as criaturas terrestres de
tal forma permeada, que se tornaria difícil estabelecer fronteiras
delimitadoras entre uma e outra faixa de convivência."
(Bezerra de Menezes)

    "Tornando-se insuportável a situação de cada uma dessas vítimas
voluntárias do sofrimento futuro, os parasitas espirituais que se lhes
acoplam, os obsessores que os dominam, explorando suas energias,
atiram-nos aos abismos da luxúria cada vez mais desgastante, do
aviltamento moral, da violência, a fim de mantê-los no clima próprio,
que lhes permite a exploração até a exaustão de todas as forças."
(Bezerra de Menezes)

    Com mais algumas colocações do Doutor Bezerra de Menezes,
poderemos entender muito melhor o que se passa nos dias de festa do
carnaval entre os encarnados e a dita "população invisível", assim
como descrito abaixo:

                    "A dita população invisível."

1. "A população invisível ao olhar humano era acentuadamente maior do
que a dos encarnados."

2. "Disputavam entre si a vampirização das vítimas encarnadas, que
eram telecomandadas."

3. "Estimulavam a sensibilidade e as libações alcoólicas de que
participavam."

4. "Ingeriram drogas, utilizando-se dos comparsas no corpo físico."

5. "Se interligavam a desmandos e orgias lamentáveis."

6. "Uns magotes desenfreados atacavam os burlescos transeuntes,
transmitindo-lhes induções Nefastas."

7. "Davam início, assim, a processos nefandos de obsessões demoradas."

8. "Misturavam-se espíritos de aspecto bestial e lupino, verdugos e
técnicos de vampirização do tônus sexual, em promiscuidade alarmante
com inúmeros encarnados."


    Acredito que devemos refletir bastante antes de tomarmos a decisão
de estarmos em algo tão sem evolução assim. Por mais que nos pareça
inocente, a festa da carne está repleta de armadilhas contra os
encarnados. E essa bela festa poderia não ser nada de mais, além de
apenas diversão, porém isso não haveria prejuízo maior se todos
pensassem e brincassem em um clima sadio de verdadeira
confraternização. Infelizmente a realidade é muito, mas muito
diferente.

    Visão de Emmanuel - Psicografada por Chico Xavier.

    "Nenhum Espírito equilibrado em face do bom senso, que deve
presidir a existência das criaturas, pode fazer apologia da loucura
generalizada que adormece as consciências nas festas carnavalescas.

    Há nesses momentos de indisciplina sentimental o largo acesso das
forças da treva nos corações e às vezes toda uma existência não basta
para realizar os reparos precisos de uma hora de insânia e de
esquecimento do dever.

    "Ação altamente meritória seria a de empregar todas as verbas
consumidas em semelhantes festejos na assistência social aos
necessitados de um pão e de um carinho."
(Emmanuel)


    E assim podemos entender um pouco mais da visão espiritual e
Umbandista dessa festa que para uns é algo imperdível, e para outros é
apenas mais um modo dos obsessores se expandir, e expandir suas
maledicências entre os encarnados. E ai está uma boa maneira de fazer
seu livre arbítrio trabalhar, ou em prol de sua libertação e de sua
evolução, ou em busca da escuridão plena obsessiva.

    Vale a pena refletir com fé!

Carlos de Ogum



sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A História da Erê Joaninha das Almas

             



    No alto do Monte de Congo,
uma criança vi nascer,
trouxe amor e paz para o quilombo,
e espalhou a fé a nosso viver.

    As rezas aprendeu com seu vovô mestre,
benzeduras ela já sabia fazer,
as ervas buscava no horizonte campestre,
e curas já fazia bastava na menina crer.

    Seus olhos brilhavam como a Lua cheia,
quando sua fé expandia como a luz,
meiga e caridosa com a vida alheia,
rezava com fé ao Menino Jesus.

    Sua vida sempre foi para ajudar,
a todos ela levava o amor e a calma,
seus irmãos nunca deixou de amar,
é a pequena Erê, a linda Joaninha das Almas.

    Joaninha das Almas é uma Erê, trabalhadora pela e para a caridade na
irradiação das Ibeijadas na Umbanda. Ela sempre é muito sensata e serena
assim como seu mestre e avô consanguíneo, também Entidade de Luz, Vovô
Rei Congo.

    Joaninha das Almas teve sua vida encarnada no século XVII, e já
nasceu dentro do Quilombo do Congo, onde aprendeu com seu avô e todos os
irmãos negros, que a liberdade deveria ser um direito de todos, e não
deveria existir a escravidão, que graças a luz de Oxalá, a pequena
Joaninha não conheceu, assim como seu avô, seus pais, e muitos irmãos
negros.

    Joaninha era filha do negro Mujongo, que era filho do fundador do
Quilombo do Congo, o nosso amado Rei Congo, e desde cedo aprendeu que se
deve fazer o bem a seus semelhantes, e sendo assim ela buscava toda a
aprendizagem com os mais velhos do Quilombo para assim poder sanar as
dores, os males, as angústias, os sofrimentos de todos, assim como fazia
seu avô que ela tinha tanto orgulho.

    Joaninha foi batizada com o nome de Juanina do Congo, porém ao
passar do tempo muitas pessoas a chamavam de Joaninha, e assim ela se
acostumou, e por algumas vezes até se esquecia de seu verdadeiro nome.

    Ela ficava eufórica quando seu avô saia em busca da liberdade de
seus irmãos negros escravizados, e quando ele chegava com mais moradores
para o Quilombo ela fazia questão de ser a primeira a recepcioná-los, e
assim na entrada do Quilombo, lá estava ela, com um largo sorriso
branco, olhos brilhantes, e alimentos para todos.
    E com essa recepção ela ia conquistando corações e a simpatia de
todos.

    Joaninha era afoita, ansiosa, queria libertar mais negros
juntamente com seu avô, mas na época, a pequena menina com apenas
cinco anos de idade, não poderia ingressar nessa árdua missão, e o
velho protetor lhe dizia que ela deveria apenas rezar para que tudo
corresse bem, sem que os coronéis da época não os capturassem e não
encontrassem o caminho do Quilombo.

    E assim fazia a pequena menina, quando os negros que lutavam pela
liberdade de seus irmãos saiam juntamente com seu avô Rei Congo, ela
ficava de joelhos olhando fixamente para o céu, clamando a Oxalá que
enviasse seus Anjos e Orixás para protegerem sua gente, e que todos
retornassem bem ao Quilombo trazendo novos amigos libertos.

    Esses gestos eram acompanhados por todos, e assim a menina virou o
símbolo da luta e da fé entre os negros do Quilombo.

    Certo dia, com a ansiedade em alta, a menina já com seus seis
anos, resolveu que queria conhecer mais coisas pela redondeza, e claro
que para isso deveria sair da proteção do Quilombo, e assim ela fez.

    Em uma tarde na qual os negros estavam ocupados com seus afazeres
do dia a dia, a menina veste seu vestidinho todo enfeitado com fitas
coloridas, e sorrateiramente sai escondidinha, e desce o "Monte dos
Perdidos", nome dado a montanha onde se encontrava o Quilombo de
Congo. E como se estivesse extasiada com sua aventura ela começa a
explorar cada caminho, dos centenas existentes. Esses caminhos eram
caminhos sem saída, por muitas vezes a quem se perdiam neles só
retornava na entrada do monte, ou na entrada do Quilombo com a ajuda
de alguns negros guerreiros de Rei Congo, caso contrário jamais saíram
de lá com vida, e isso aconteceu dezenas de vezes com jagunços,
feitores, capitães do mato e até mesmo com três coronéis da época que
decidiram por si só encontrarem o refugio dos negros. Porém, para
Joaninha esse perigo era inexistente, a menina parecia que reconhecia
cada centímetro daquele labirinto esverdeado, mesmo sendo a primeira
vez que se aventurava naqueles caminhos.

    Ela desceu o monte, atravessou as matas, e chegou ao povoado das
fazendas, e lá ficava olhando encantada outras crianças, as negras em
trabalho árduo nas roças de café, cana de açúcar, algodão, entre
outras culturas agrícolas, e as crianças brancas sendo pajeadas por
suas mucamas, seus acompanhantes, com suas vestes de princesas e
doutores, fazendo com que a pequena menina ficasse a refletir o quanto
sofria as crianças negras que viviam fora do Quilombo de seu amado
avô.

    A pequena Joaninha retorna ao Quilombo, e adentra a ele da mesma
maneira que saiu, escondidinha, porém em seu coração trazia a angústia
de se lembrar das pobres criancinhas negras, crianças de menor idade
que ela, sendo forçadas a fazer um trabalho desgastante, talvez sem o
alimento adequado, e ainda podendo ser surradas pelos feitores
sanguinários, a mando de coronéis sem coração. E ela sabia que isso
acontecia, pois prestava extrema atenção nas histórias dos negros
libertos que agora se encontravam no Quilombo, inclusive de seu
próprio avô paterno, o amado vovô Rei Congo.

    A menina sentia seu peito arder, um desespero abateu sobre ela,
seus olhos lacrimejaram, sentiu sua boca seca, a dor em seu pequeno
corpo era como se ela mesma estivesse em um tronco de  castigos, e ela
não suportando tanta agonia, chorou intensamente.

    Nesse momento seu mestre e avô adentra na pequena cabana de palha
na qual a menina se encontrava, e ao vê-la chorando daquela maneira
ficou um tanto preocupado, lhe perguntando o que havia acontecido; ela,
de olhos marejados, apenas olhou para o negro avô, o abraçou forte e
chorou mais.

    Após se acalmar um pouco, a menina pergunta ao avô como foi que
ele tinha tomado a decisão de lutar em prol da liberdade dos irmãos
negros, e ele com a serenidade de sempre disse a pequena menina:

    "Quando vi o sangue de um irmão negro que desencarnou no tronco
após dias de tortura, e esse sangue escorreu pela mãe terra que o
absorveu da mesma maneira que poderia absorver o sangue dos coronéis,
dos feitores ou de qualquer pessoa liberta. Então decidi que todas as
raças deveriam ter a benção da liberdade, e que Oxalá abraça a todos
da mesma forma, assim como a mãe terra."

    Ao ouvir isso a menina sorri, mesmo com os olhos lacrimejando, e
decide dentro de seu coração que iria libertar aquelas crianças.

    E assim no dia seguinte ela novamente sai do Quilombo rumo a
fazenda na qual se deparou com as crianças. Chegando lá ficou
escondida esperando uma oportunidade de iniciar o que tinha colocado
como missão.

    Ela observa um negrinho de uns oito anos saindo com um vasilhame
em direção ao rio, e vê ali a oportunidade que desejava. Ao se deparar
com ele longe das vistas dos jagunços e feitores, o puxa para de trás
de uma árvore, o negrinho se assusta no primeiro momento, mas quando
vê que era uma menina negra, sorri demonstrando simpatia.

    Joaninha abre um largo sorriso, e no cochicho diz quem é ela, e
diz que precisa de ajuda para poder libertar aquelas crianças, e
levá-las a um local, que ela descreveu ao menino como o paraíso de
Deus.

    O menino fica empolgado, explica a menina que a maioria daquelas
crianças estão distantes dos pais, pois muitos foram comprados de
outras fazendas, alguns pais foram mortos nas torturas intermináveis
pelos feitores, e muitos pais daquelas crianças fugiram em busca da
liberdade, e nunca mais voltaram, assim como aconteceu com seu
próprio pai, que fugiu após atacar um feitor que acabara de
assassinar sua mulher, mãe do menino negro.

    O menino com um ar de guerreiro da paz disse que a ajudaria, ele
ia falar com outras crianças quando estivesse na senzala, e assim
mostraria o caminho a todos para se encontrar com a pequena negra, que
dia a dia ia levando um a um ao Quilombo, e lá as escondiam dentro de
uma gruta, com receio de seu avô não autorizar que essas crianças
ficassem no Quilombo.

    Muitos coronéis, avisados pelos feitores sobre o sumiço como por
magia das crianças escravizadas, começaram a fazer diligências na
procura das mesmas, pois não tinha como tantas crianças sumirem sem
deixar o mínimo sinal.

    Com essa grandiosa introdução de jagunços, feitores, capitães do
mato e dos próprios coronéis pelas redondezas, e quando nosso
guerreiro Rei Congo observou esse fato, se limitou nas fronteiras do
Quilombo com seus lutadores em prol da liberdade, isso para caso se
algum desses "caçadores de negros" chegassem a descobrir o Quilombo,
estariam os negros preparados para a luta, isso imaginando que os
coronéis estavam em busca dos negros e negras adultos, que por anos
foram sendo libertos pelos guerreiros de Congo, sem imaginar o fato
das crianças desaparecidas.

    Enquanto isso a menina Joaninha trabalhava arduamente para manter
escondidas as crianças libertas por ela, era um vai e vem com comida,
água, lenha para manter as pequenas aquecidas a noite através de uma
fogueira, até mesmo algumas vestes para aquelas que necessitavam mais.

    Mas nada disso a fazia desistir, tinha a convicção de dever de
ajudar, salvar, libertar. E isso lhe dava forças de continuar, tanta
força, que mesmo sabendo sobre a caçada dos coronéis, ela ia a
algumas fazendas em busca de outras crianças, e nessa nova aventura de
libertação que o menino que lhe auxiliou no inicio veio com ela, seu
nome era Juvêncio, e se tornou um grande companheiro da menina na sua
missão.

    Com a ajuda de Juvêncio, ela foi trazendo mais e mais crianças,
deixando os coronéis, feitores e jagunços sem ação, pois não
conseguiam entender como as crianças saiam, onde se escondiam, e quem
estava as levando, pois nunca deixavam pista alguma, por mais que
vigiassem, por mais jagunços que colocassem para evitar as fugas, não
adiantava, quando menos se esperava desaparecia algumas crianças,
principalmente durante o trabalho nas roças.

    Certo dia Joaninha decide ir a busca de mais algumas crianças, e
em uma das fazendas visitadas por ela, se depara com uma menina negra
um pouco mais nova que ela, possivelmente com seus cinco anos de
idade, e essa menina ao vê-la lhe estende a mão, e as duas saem pelos
domínios da fazenda, a menina a leva até outra menina, sendo que essa
era branca, tinha uns quatro anos de idade, e as três ficam sobre uma
árvore, enquanto Joaninha explicava quem era ela, e o que fazia ali.
Ao ouvir o relato de Joaninha a pequena menina negra fica radiante, e
pede com lágrimas nos olhos que a leve também, para que possa viver
sem as surras contínuas que levava sem motivos.

    Ao ouvir isso a pequena sinhá entende que ficará sem sua
amiguinha, e chora, pedindo que a leve também, pois não gostava de
ficar naquele lugar que maltratavam tanto as crianças e  os moços
negros.

    Joaninha não sabia o que fazer, como ter uma menina branca dentro
do Quilombo, isso poderia levar os jagunços a encontrarem o
esconderijo dos seus irmãos negros, mas por outro lado como deixar a
pequena ali, sofrendo ao ver a maldade daquele lugar.

    Ela diz as meninas para aguardar uns dias, que retornaria para
buscá-las, pois tinha que ver como fazer para sair dali escondida com
elas.

    E assim voltou a gruta, no caminho sua mente infantil imaginava
várias coisas, tinha receio do que desejava fazer, mas tinha em seu
coração caridoso a dó de deixar aquelas meninas na fazenda juntamente
com aqueles homens sanguinários, mesmo sabendo que nada iam sofrer
fisicamente, mas a dor na alma por ver tanta crueldade seria
terrível.

    Enquanto refletia essas coisas, andando um tanto devagar,
observava a mata, as flores, o céu, as nuvens dançarinas, não reparara
que ao seu lado se encontrava uma linda luz, que acompanhava seus
passos. Ao reparar, no primeiro momento se assustou, porém ao ver a
imagem de uma mulher negra se tranquilizou, e foi logo perguntando com
um lindo sorriso no rosto:

"Quem é você? De onde veio? Você é do Quilombo do meu avô Congo?"

A negra responde com um olhar carinhoso:

"Sou apenas alguém que lhe ama e protege, vim das terras de Oxalá, e
já estive no Quilombo do amado Rei Congo. Porém agora vim aqui para
lhe dizer que falta pouco para completar sua missão, e após fazer o
que seu pequeno coração infantil deseja, estará pronta para me
acompanhar, e para uma missão muito maior, muito mais caridosa, muito
mais coberta de amor e fé.

    Peço que não tenha medo, estarei ao seu lado quando esse momento
chegar."

    Ao falar isso a mulher se afasta e desaparece bem em frente dos
pequenos olhos da menina, que recomeça sua caminhada rumo ao Quilombo.

    Na sede dos negros, onde se encontrava Rei Congo, avô da pequena
Joaninha, algo de inusitado acontece, em um encontro familiar, Rei
Congo, juntamente com Maria Conga sua filha, seu filho Mujongo, e
mais outros negros da linhagem, diz aos presentes que algo de grave
iria acontecer, que teriam uma grande perda a todos, e que essa perda
ia trazer novos protegidos ao Quilombo, e esses protegidos deveriam
ser cuidados com todo carinho e amor, o mesmo amor que estavam
recebendo da futura perda. E no momento que foi dito isso, a imagem da
mulher negra se fez presente a todos que ali estavam, e com olhos
brilhantes disse:

"Meus filhos, o que vai acontecer estava escrito, Zambi determinou a
presença de um dos amados filhos dessa terra para que possa seguir a
caminhada da caridade na luz espiritual. Talvez alguns de vocês não
entendam o porque disso, porém devemos elevar nosso amor e fé em Zambi
para que a missão de caridade seja continuada."

    Todos os negros que ali estavam se poem de joelhos, a mulher chega
até Rei Congo, toca-lhe a cabeça com carinho, ele vê a imagem da
pequena neta e chora, já imaginando de quem a mulher dizia.

    Nesse momento a imagem da mulher negra começa a se desfazer em uma
nuvem azulada, e suas últimas palavras são essas:

"Rei guerreiro da liberdade, filho amado meu, sou sua força e sua luz,
Oxum mãe das cachoeiras sou eu, nesse momento estarei com uma parte de
ti, a protegendo, a encaminhando para a caridade espiritual. Tu sabes
a dor que terá que suportar, tu sabes a luz que será acesa. Não te
aflijas, pois está chegando a hora da eternidade junto a sua pequena
luz."

    E assim a linda Oxum se foi, deixando os negros extasiados com sua
beleza, e o amado Rei Congo choroso com tudo aquilo.

    Alguns dias se passaram, e lá foi a linda Joaninha em busca da
menina negra e da sinhazinha que havia prometido retornar. Ao
encontrar as duas, as escondidas saíram da fazenda, indo rumo ao
Quilombo. Por muitas vezes a pequena Joaninha pegava a sinhazinha ao
colo, para que pudesse descansar, sem assim ter que parar, a fim de
não ter chance dos jagunços do coronel as achassem.

    E ao Chegarem a gruta, a pequena menina negra que veio com
Joaninha ficou muito feliz por reencontrar alguns de seus amiguinhos
que já haviam fugido anteriormente para o Quilombo. Após abraços e
sorrisos, muitos deles não entendiam o porque da pequena sinhá ali
estar. Mas como a infantilidade não tem regras sociais, logo iam e
abraçavam a sinhá, como velhos amigos.

    Ao anoitecer a menina Joaninha deixa a gruta, indo ao encontro de
seu avô, que ao vê-la a abraça fortemente, e chora copiosamente, ela
sem muito entender, mas no clima da emoção chora também, o abraçando
da mesma forma.

    Ele a pergunta sobre o que ela o escondia, que tantas saídas ela
fazia, e que tantos mistérios ela tinha naquela cabecinha de
criança.

    Ela sorri timidamente, e pede para o avô esperar que já voltaria,
e assim saiu correndo para a gruta, e de lá trouxe todas as crianças
que havia libertado das fazendas. Mas não teve coragem de trazer a
sinhazinha, deixando-a juntamente com a sua amiguinha.

    Chegando diante de Rei Congo com dezenas e dezenas de crianças,
ele ficou extasiado, assim como todos no Quilombo. Ela com seu sorriso
infantil, chamava uma a uma pelo nome, levava até o grande mestre do
Quilombo e pedia que as crianças pedissem a benção a ele, e assim elas
fizeram. E a cada benção que o velho Congo respondia, novas lágrimas
em seus olhos brotavam.

    Após todas as crianças serem abraçadas e abençoadas pelo avô de
Joaninha, e irem se socializando com os outros negros do Quilombo, Rei
Congo olha firmemente para a menina e diz:

"Filha amada, cá estão muitas crianças, porém seus olhos sofrem por
algo, seu gesto de caridade e de amor vão além dessas crianças. O que
mais você tem a me dizer pequena Joaninha, seu gesto de amor e de
caridade não param apenas nesses meninos e meninas."

    A pequena menina abaixa os olhos e com a voz embargada diz ao avô
que lhe acompanhe. Ela o leva a velha gruta, e lá o avô vê mais duas
meninas, uma negra, e uma branca, vestida de sinhá. Ele se aproxima, a
pequena negra fica um pouco assustada, mas logo é tranquilizada pela
Joaninha, e a menina branca se encontrava deitada ao solo, de olhos
cerrados, e estado febril.

    Rei Congo fica um tanto receoso com o estado da menina, se
aproxima mais, verifica que sua respiração está muito fraca, seu corpo
quase inerte está empalidecido. Ele a toma nos braços e diz as meninas
que a menina sinhá está muito adoentada, que deveriam partir
imediatamente para o centro do Quilombo para tentarem reverter aquele
quadro. E assim partiram.

    Ao chegarem ao centro do Quilombo foi verificado que as condições
da pequena sinhá havia piorado. Sua respiração já quase não era
percebida, sua pele estava pálida em demasia, seus olhos lacrimejavam,
a febre aumentara.

    Em uma pequena cabana a menina foi colocada em uma cama
improvisada, e ao seu entorno estavam Rei Congo, a sua filha Maria
Conga, e o casal Amadeu e Rosa (antigo feitor e sua esposa), que
falavam sobre a gravidade da doença da sinhazinha,, e diziam que era
uma tuberculose passada, que se agravou muito durante os dias, e muito
pouco poderiam fazer para salvarem a vida da menina.

    Joaninha ao ouvir isso sai correndo em lágrimas para a gruta,
chegando lá se joga de joelhos em oração. E sua fé grandiosa traz até
ela a imagem da mulher negra de antes que lhe afaga a cabeça e lhe
diz:

"Minha amada, é chegada a hora de caminhar junto a mim. Porém sua
escolha vai ser respeitada. Tu podes salvar a vida da pequena menina
branca, ou deixá-la partir. Sua fé e seu carinho, juntamente com sua
caridade vai ser o ponto de sua luz espiritual. A ti foi entregue o
caminhar daquela menina."

    Assim que Joaninha ouviu essas palavras retornou ao casebre onde
estava a sinhazinha. Se ajoelhou junto a menina sobre os olhares de
todos, ergueu suas mãos e colocou-as espalmadas sobre ela, cerrou seus
olhos e clamou a Zambi pela vida da pequena.

    Um silêncio grandioso reinou no pequeno aposento. Uma luz azulada
saia das mãos da menina negra, parecendo introduzir pelos poros da
menina sinhá.

    O velho Congo observa a imagem de Oxum, como uma serena mulher
negra, ao lado da menina Joaninha. Ele sente um aperto em seu peito,
como uma angústia sem fim. Sua experiência de vida e de
espiritualidade lhe mostra agora de quem Oxum se referia quando dizia
que uma parte dele estaria de partida para a caridade espiritual.

    Ele chora em silêncio.

    A pequena Joaninha continuava a energizar a sinhazinha, que
recomeça a recuperar as forças como por encanto. Seus olhos se abrem,
mostrando um brilho lindo e azulado. Sua pele vai perdendo pouco a
pouco a palidez. Sua respiração vai se tornando normalizada, no mesmo
instante que a da pequena Joaninha se tornava mais pesada.

    A menina cai ao chão, seu avô a pega nos braços, e ela com a voz
quase inaudível pede a ele que a leve para a gruta, pedindo também que
o casal Amadeu e Rosa, prometessem cuidar da menina sinhá, que logo
foi aceito por eles, que lhe prometeram com a voz embargada e os olhos
repletos de lágrimas.

    Após isso ela é levada para a gruta conforme seu pedido, e lá é
colocada no solo e a cabeça recostada no colo de seu avô que lhe
acaricia com muita ternura, tentando conter as lágrimas que teimavam
em cair deslizando pela sua face já cansada.

    Joaninha abre os olhos com dificuldade, pede ao avô para junto a
ela fazer uma velha oração tradicional no Quilombo, e assim os dois
começaram a prece aos Orixás.

    A voz da menina estava muito fraca, quase não conseguia pronunciar
as palavras de fé e de luz da velha oração. O velho avô não suportando
tanto sofrimento da perda que estava próxima, chora copiosamente em
meio as frases da linda prece. Ao seu lado se encontrava a linda mãe
Oxum, em forma de uma bela mulher negra, que estendeu os braços e com
muito carinho deu a mão ao espírito da pequena Joaninha que acabara de
desencarnar.

    Seu velho avô ao sentir o último suspiro da pequena, chora com
muita dor e extrema tristeza, lamentando aquele momento de separação.

    Deitado sobre o corpo inerte da menina ele não repara a imagem de
Oxum juntamente a de Joaninha, e quando dá por si sente um toque
amoroso em sua face secando-lhe as lágrimas. O toque vinha das mãos da
menina, que com um sorriso largo, olha o velho negro e diz:

"Amado avô, estou pronta para caminhar junto a minha mãe Oxum. Não
chores, pois logo estaremos juntos novamente. Hoje terminei minha
missão nessa amada terra, como encarnada, porém logo estarei como luz
de Deus para auxiliar todos os necessitados de amor e paz. Agora só
desejo sua benção para eu partir."

    O negro velho abençoa a menina, e uma luz azulada toma conta das
duas imagens que desaparece como por encanto.

    E assim Joaninha das Almas, irradiada por Oxum foi abençoada e
virou uma linda Entidade de Umbanda. Hoje ela trabalha em terreiros
como Erê, linha das Ibeijadas, e faz o bem a todos irmãos que nela
buscam auxílio para caminhar dentro da luz de Deus.

Salve as Ibeijadas!

Salve Joaninha das Almas!

Oni Ibeijada!

Carlos de Ogum