Salve nossa Umbanda amada,
salve o cazuá dos Velhos do cativeiro,
na senzala tem mironga sagrada,
Pai Casemiro é nosso vovô guerreiro.
Com flores e água ele sabe curar,
Preto Velho sagrado de nosso Gongá,
com tanta humildade ele vem nos salvar,
Velho Casemiro enviado de Oxalá.
Sua lei quem coordena é nosso amado Jesus,
trazendo dentro do peito um enorme coração,
ele é divino, caridoso, nossa luz,
e venho aqui meu Pai Casemiro
lhe pedir a benção.
A história de Pai
Casemiro começa nos fundos de uma velha senzala em uma fazenda cafeeira da
região sudeste do Brasil, no período do século XIX, onde seu nascimento foi
constatado pelos negros que ali residiam.
Uma jovem escrava
em um momento raro de felicidade em sua vida, dava à luz a um belo menino nos
fundos de uma senzala, rodeada por outros negros, e a seu lado uma velha negra
que era conhecida como a melhor parteira da região, e também pelo negro
Juvêncio que era pai do recém-nascido.
Ao vir ao mundo
de Pai Oxalá, o pequeno menino é pego pelos braços de seu pai e erguido aos
céus, como forma de agradecimento pela tão bela benção recebida.
Os negros
emocionados, sorriam e cantavam canções de boas-vindas ao pequeno menino.
No céu as
estrelas brilhavam mais do que de costume, a Lua dava impressão de sorrir
juntamente com os negros, demonstrando toda a felicidade daquele nascimento.
De braços
erguidos e com o menino elevado a Deus, Juvêncio clamou por proteção a sua
criança. E nesse momento um facho de luz brilhante pairou sobre o menino, como
se Oxalá o abençoasse.
Os negros ao
redor se ajoelharam ao chão, e rezaram em coro. E o surpreendente aconteceu, do
facho de luz desceram pétalas de diversas flores, perfumando todo o local,
deixando todos boquiabertos.
Juvêncio de olhos
fechados, agradecia em silêncio, e sua fé foi tão extrema que ele ouviu uma voz
firme, porém amável dizendo-lhe:
"Meu filho, siga com seu menino até a
cachoeira, deve batizá-lo ainda hoje, pois esse menino será luz, divindade e
paz entre seus irmãos. Você deverá fazer dessa maneira, pois seu tempo ao lado
dele será curto. E para ser realizado a missão preparada a ele por Deus, será
de suas mãos que devem cair as águas do batismo."
Juvêncio ergueu o
olhar, estava sereno e exalava fé. Pegou o menino, e partiu, junto a ele alguns
negros acompanhavam.
Ao chegar na
cachoeira, a noite estava alta, Juvêncio se pôs de joelhos as margens do rio.
Rezou, agradeceu, e clamou por bênçãos a seu filho.
Do meio da
cachoeira surge uma linda mulher vestida toda da cor azul, se aproxima do
negro, pega a criança em seus braços, da meia volta e segue até a queda d'água.
Com delicadeza a mulher molha sua mão e faz uma benção no menino recém-nascido,
dizendo palavras não entendíveis, mas em forma de oração.
A Lua joga seu
facho de luz sobre o menino, assim como o vento cobre sua pele parecendo o
proteger, o próprio vento traz pequenas folhas das matas para o abençoar, e
assim o pequeno menino fora batizado pela Mãe Natureza.
A mulher retorna
com o menino, entregando-o ao pai, e pedindo-lhe que escolhesse um nome, sendo
esse nome de alguém que Juvêncio tivesse muito respeito e admiração.
Juvêncio sem
pestanejar lembra-se de seu pai, avô do menino, que era um grande guerreiro, e
que desencarnou sob a chibata de um feitor, após lutar intensamente para salvar
seus irmãos negros. E o nome desse guerreiro era Casemiro, e esse foi o nome
dado ao menino recém-nascido.
A mulher pega um
pequeno manto azul, o deita ao chão, e sobre ele coloca o menino, bem próximo a
borda do rio no qual era conduzido pela queda d'água. Os negros que
acompanhavam Juvêncio se ajoelharam e rezaram aos Orixás, enquanto a imagem da
mulher desaparecia diante dos olhos de todos.
Ao findar as
orações, Juvêncio pega seu filho, enrolado no manto azul, e ao retirá-lo do
chão, todos ficam extasiados pois no local onde estava o manto com o pequeno
Casemiro, brotava flores, crescendo rapidamente diante dos olhos de todos,
trazendo aquele ambiente um doce perfume divino.
Juvêncio retorna
com seu filho juntamente a sua esposa, conta-lhe todo o acontecido, deixando a
jovem negra extasiada, porém preocupada, pois ela não compreendia o porquê seu
marido teria pouco tempo com seu filho.
Vinte e um dias
se passaram, e chegou o dia da separação do menino Casemiro e seu pai. Um
coronel de uma região distante, veio até a fazenda cafeeira onde residia a
família de Juvêncio, a fim de negociar escravos para serem levados a sua
fazenda. E Juvêncio fora o primeiro negro que o coronel se interessou, fazendo
assim que houvesse a separação de pai e filho, mesmo com muitas lamentações e
pedidos, de todos, porém sem a menor dor na consciência dos negociadores.
Casemiro agora
estava apenas com sua mãe, e isso duraria pouco tempo também, pois sete anos
após, sua mãe fora tomada por uma doença desconhecida, que disseminou dezenas e
dezenas de pessoas na região, tanto negros quanto brancos.
Esse fato deixou
o menino Casemiro desesperado, pedia a Oxalá para desencarnar junto com sua
mãe, porém uma negra da fazenda que tinha muita fé, dizia ao pequeno garoto,
para nunca desanimar, pois Zambi só fazia as coisas certas, e se sua mãe partiu
daquela forma é que teria um motivo muito forte.
O menino chorava
copiosamente, mas buscava entender as palavras da negra.
Dois anos se
passaram após esse fato, porém a doença desconhecida ainda matava muitas
pessoas. E em uma noite dentro da senzala, Casemiro, dormia com um sono
sobressaltado, até que desperta assustado. A seu lado estava a mulher que tinha
o batizado na cachoeira, e ele se levantando a observa profundamente, ela tem
um sorriso meigo, amável, sereno, olhos brilhantes, afáveis, e se virando para
o menino lhe fala:
"Meu filho amado, venho hoje para lhe mostrar seu poder de cura, com ele
poderá sanar as dores de homens negros e brancos. Sua fé fará com que sua luz
brilhe sobre essas pessoas doentes, e assim com seu amor e sua caridade os
males que a anos vem decepando vidas, se afastará daqueles que em ti confiar.
Use as flores como matéria para chás, emplastros,
colha os orvalhos de suas pétalas, as folhas de seus caules, os perfumes que acalmarão
todas as dores.
Seja caridoso, seja amável, seja fiel a Oxalá. Todas
as dores irão se afastar, estados febris vão se acalmar, e a morte irá para
longe de todos os seres que estimularem sua fé."
Ao dizer essas
palavras a imagem da linda mulher se afasta do menino, indo de encontro com as
estrelas.
Ao amanhecer o
pequeno Casemiro corre pelas estradas que levam até a cachoeira, ele não sabia
porque, mas sabia que deveria ir até ela, mais precisamente até ao jardim que
nascera quando o menino fora batizado.
Ao chegar ao
pequeno jardim, Casemiro se ajoelhou diante dele, e se deixando levar pelos
impulsos foi colhendo diversas flores, de todas as cores, tipos e
perfumes. E a cada flor que retirava do pequeno jardim, uma nova brotava e
crescia em frente a seus olhos, fazendo assim com que o menino ficasse mais
encantado ainda.
Ele leva as
flores para a fazenda cafeeira, e lá com auxílio de uma velha negra fez chás,
compressas, banhos, enfim, tudo que pudesse para sanar as dores dos adoentados.
O tratamento foi
iniciado dentro da senzala, e como um passe de mágica, os negros iam se
recuperando a olhos vistos.
As notícias das
melhoras dos negros foram se espalhando como pólvora, chegando até a casa
grande, onde residia o coronel e sua família, e lá se encontrava muitas pessoas
adoentadas, o coronel ordenou que trouxessem o menino até sua residência, e
mandou que ele fizesse o tratamento aos membros de sua família.
O pequeno
Casemiro se lembrou de seu pai que fora vendido sem a chance de ver seu filho
crescer, de sua mãe que morrera do mesmo mal que agora atacava os familiares do
coronel, e tantos irmãos negros que partiram sem a chance de cura. Ele parou,
refletiu, por um momento pensou em não auxiliar os adoentados da família do
coronel, porém lembrou-se das palavras da bela mulher que o batizara, que
deveria ser caridoso, amável e ter muita fé.
Num impulso ele
começou a se utilizar das flores como tratamento a todos os adoentados dali, e
um a um se via a estabilização do corpo físico, deixando o coronel muito
aliviado.
Após isso muitos
anos se passaram, o menino Casemiro já era um homem feito. Ele cuidava dos
jardins da fazenda com maestria, trazia mudas de flores da cachoeira e ia
espalhando elas pelos jardins fazendo assim que toda a fazenda tivesse um
colorido brilhante e estonteante perfume.
Quando Casemiro
completou seus trinta anos, o coronel já muito velho decidiu se desfazer de boa
parte de seus escravos, vendendo-os a outros coronéis da região.
Casemiro fora
vendido para uma fazenda próxima, pois sua fama de curador era grande, e logo
apareceram diversos interessados no negro.
Toda a família do
velho coronel foram contra a venda de Casemiro, porém o coronel estava
irredutível.
Quando Casemiro
partiu da fazenda, todas as flores de todos os jardins foram murchando, até que
todas secaram, inclusive as do jardim da cachoeira.
Casemiro começa
uma vida nova, porém se sente um tanto perdido sem suas flores. Na fazenda nova
onde reside agora muitos negros trazem no corpo físico alguns males de diversas
doenças, nas quais ele, Casemiro, poderia ser muito útil.
Ele esperançoso
ao se lembrar que deveria elevar sua fé sempre, se ajoelha e clama por auxílio,
orando aos céus que lhe dê um caminho.
Sem perceber o
pedido dele é atendido, chega ao seu lado a imagem da bela mulher, trazendo nas
mãos flores diversas, e um recipiente de barro com água. Ela chama a atenção de
Casemiro dizendo-lhe:
Levante-se filho
amado, tome essas flores. Plante-as em um belo jardim distante das plantações
da fazenda, de preferência perto do rio da pedreira (local conhecido por todos
moradores dali), plante-as bem próximo da margem e da pedreira. E ao fazer isso
suba até o cume, despeje essa água nele e desça sem olhar para trás. Ao chegar
a seu jardim, ore com vontade a Deus, peça forças para continuar, peça fé para
não desistir."
E assim Casemiro
fez, após plantar nas margens do rio as pequenas mudas de flores, subiu a
pedreira chegando a seu cume, e lá despejou a água que lhe foi dada, e desceu
apressadamente, sem olhar para trás como lhe foi dito.
Chegando
novamente as margens do rio, Casemiro se ajoelhou diante de seu pequeno jardim,
fechou os olhos, agradeceu a oportunidade lhe dada, e orou de todo coração e
com toda sua fé a Deus, nosso Pai Maior.
Quando clamava a
Deus, ouviu um intenso romper de água, assustado abriu os olhos, e diante deles
viu o nascer de uma cachoeira do alto da pedreira, que fazia com que as águas
se encontrassem com o rio, fazendo seu curso aumentar, e distribuir pequenas
gotas de orvalho sobre as pequenas flores, que cresceram e floresceram mais e
mais diante dos olhos de Casemiro, que estava lacrimejando muito emocionado.
Ele sorria
intensamente, e agradecia por tudo aquilo, via que Deus tinha lhe escutado, e
estava orgulhoso e feliz com a sua própria fé.
Foi até a
cachoeira, e nela ouviu a voz da linda mulher dizendo-lhe:
"Recomece seu trabalho de cura e caridade, e
na hora certa volte para as mãos daquela que lhe batizou. A partir desse dia
sua luz e seu caminho estarão ligados exclusivamente em fazer o bem, mas o bem espiritual,
e eternamente."
Ao dizer isso a
bela mulher aparece saindo das águas da bela cachoeira, molha suas mãos e
novamente faz o gesto de batizar Casemiro, que muito emocionado e feliz se
entrega as lágrimas, que se misturam com o as gotículas das águas sagradas.
Ao término da
consagração, a linda mulher diz a Casemiro para seguir seu caminho pela
caridade, e assim ele o faz. Colhe várias flores, enche sua moringa com a água
da cachoeira e parte para a fazenda, lá chegando começa a sua missão de cura de
seus irmãos negros. Não demorando para que sua fama se espalhasse novamente, trazendo
a melhora de todos daquela região, sendo brancos ou negros, homens ou mulheres,
crianças ou idosos, ricos ou pobres, livres ou escravizados.
Na fazenda onde
residia Casemiro, ele se tornou amado e respeitado por todos, inclusive pelo
coronel, que o tratava com extrema atenção, pois Casemiro tinha auxiliado na
cura do único filho do coronel, e esse certamente lhe devia muito.
Dentro da
fazenda, a pedido de Casemiro, todos os negros receberam uma choupana para
fazerem moradia, assim sendo foi destruída as senzalas e todos os troncos de
castigo daquela fazenda.
Casemiro recebeu
também a sua moradia, e nela um pequeno pedaço de terra para que ele pudesse
criar seu rebanho de cabras, animais que tanto amava, além de poder fazer seus
belos e divinos jardins com suas maravilhosas e perfumadas flores, flores que
encantavam a todos que ali chegavam.
Muitos anos se
passaram, e a rotina de Casemiro era cuidar de suas cabras, e de suas flores,
além de dia após dia caminhar até a linda e poderosa cachoeira, para apanhar
água e mais flores sagradas, para auxiliar nas dores de quem necessitava.
E em uma certa
tarde, quando Casemiro fazia sua trajetória, ele se depara com a bela mulher
que no passado havia o batizado. Ela sorri para ele, mas nada diz, apenas o
acompanha com passos suaves por todo caminho até a cachoeira.
Ao chegar lá ele
observa um casal de joelhos diante da cachoeira, e em seus braços uma criança
inerte. Era uma linda menina de aproximadamente três anos, que com os olhos
cerrados, ardia em um estado febril extremo. Sua pele pálida, olhos fundos,
seus lábios arroxeados sem vida, trazia um desespero extremo aos pais que
choravam copiosamente, rogando a Deus para que não levasse sua menina.
Casemiro se
aproximou perguntando ao casal do ocorrido, e eles explicaram que a menina de
uma hora para outra foi se debilitando, até que chegou ao ponto visto. Eles, os
pais, tiveram uma visão, no qual fora pedido a eles que trouxessem a pequena
para aquele local, pois ali seria a única chance dela sobreviver aquele mal.
Casemiro se
ajoelhou junto ao casal e a menina, a observou atentamente, pegou um ramalhete
de flores, água da cachoeira, e macerou com muito cuidado. Chegou até a menina
fez alguns emplastros, aguardou algum tempo, mas não via resultados. Ficou um
pouco ansioso, buscou novas flores, acendeu uma pequena fogueira, apanhou mais
água, e dela fez um chá. Deu a menina com muita dificuldade, porém nada de resultados
positivos. A menina continuava inerte. Nesse instante Casemiro voltou-se para a
mulher que o acompanhava e o observava atentamente, perguntando-lhe o que
deveria fazer, pois não queria deixar a pequena menina desencarnar, e já tinha
feito tudo que aprendera em todos aqueles anos.
A mulher com um
olhar sereno, porém mais sério que de costume, disse a Casemiro:
"Meu filho amado, chegou a hora de mostrar a
verdadeira caridade para que você siga para seu trabalho espiritual eterno. Mas
isso vai depender de sua verdadeira fé, de seu livre arbítrio e de sua intensa caridade."
Nesse momento
desejo que decidas, entre a vida dessa pequena sofredora, ou a sua própria
vida. Se despejares sobre essa menina todas suas forças espirituais, ela vai se
reanimar, e sanar todos seus males, caso contrário desencarnará muito antes
de seu tempo real de encarnação.
Em suas mãos
estará a vida e a caminhada desse pequeno ser. E em suas mãos também estará seu
próprio destino."
Ao ouvir isso,
Casemiro, sem pensar duas vezes, vai até seu jardim divino, apanha as flores
por intuição, as molha na cachoeira e as coloca sobre o pequeno corpo da
menina, se ajoelha, faz suas preces, fala palavras não entendíveis, as mesmas
palavras que foram ditas pela a bela mulher em seu nascimento e batismo. Um
raio de luz atravessa o céu, pairando sobre o negro já idoso e a menina, o
vento uiva, a cachoeira espalha gotículas de água abençoando o gesto de
Casemiro, os pássaros rodeiam os dois, e a menina começa a se recuperar,
enquanto Casemiro clama, com sua voz cada vez mais enfraquecida.
Uma luz muito
intensa sai das mãos do velho Casemiro, e como se energizasse a criança, ia
dando-lhe forças, e assim ela ia ficando mais corada, abrindo seus pequenos
olhos, seus lábios ficando rosados, retomando a vida.
E assim a menina
se recupera, porém, nitidamente Casemiro se enfraquece intensamente, com tanta
força que não consegue se erguer e fica deitado ao lado de suas flores divinas.
O casal tenta
ajudá-lo, porém ele agradece e pede que levem a pequena menina de volta a sua
moradia para que ela descanse. A menina com os olhos brilhantes vai até
Casemiro, o abraça lhe dando um beijo na face, e todos partem, respeitando o
pedido do velho negro.
Ele continua ali
deitado, junto as suas flores e nas margens do rio, onde deságua a cachoeira, e
em pouco tempo desencarna.
Pássaros de todos
os tipos, tamanhos, espécies, com lindas cores, e belos cantos chegaram até o
corpo inerte de Casemiro, depositando uma flor na qual traziam nos bicos,
cobrindo-o por inteiro.
Essas flores
germinaram como por encanto, fazendo com que ali onde estava depositado o corpo
de Casemiro se transformasse em um belo e esplendoroso jardim.
Ao longe dali se
via o espírito de Casemiro, juntamente com de seu pai Juvêncio e de sua mãe,
além da linda imagem de Mãe Oxum, Orixá que o acompanhou desde o nascimento.
Hoje Casemiro é
uma Entidade de Luz, trabalhadora na linha dos Pretos Velhos, e que encanta a
todos com seus gestos carinhosos, seu amor incondicional, e sua caridade
suprema.
Salve as Almas
Benditas!
Salve o amado Pai
Casemiro!
Carlos de Ogum